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A Fortuna e a Virtú Aplicadas à Crise Política Brasileira


Foto: Dida Sampaio/ Agência Estado via Google Images

As ideias de Nicolau Maquiavel (1469-1527) em O Príncipe abordam a análise das estratégias de conquista, manutenção e perda do poder de um soberano, com base na concepção da natureza humana. Entretanto, apesar da obra ter sido escrita no ano de 1513, suas análises são consideradas atemporais, tendo sido utilizadas frequentemente como guia para grandes líderes ao longo da história. Assim, a sua obra mais famosa o consagrou como um dos maiores teóricos da política moderna, pois nesta, ele atribuiu autonomia à Ciência Política, diante da sua separação da esfera moral. Neste sentido, Maquiavel trabalha, na esfera de Estado, com o conceito de principado, correspondente ao que hoje chamamos de governo republicano. Para ele, a chegada ao poder de um governo pode ser dada de diversas formas, através do que ele chama de fortuna, definida como adversidades ou acasos propícios a esta chegada ao poder. Por outro lado, Maquiavel cita a conquista de um governo através da virtù, palavra que abrange todas as habilidades e competências políticas de um líder, capazes de fazê-lo alcançar e se manter no poder. A partir dos conceitos postulados por Maquiavel, pode-se fazer uma análise da

situação brasileira, onde se identifica que a presidente Dilma Rousseff, ao ser eleita, foi favorecida principalmente pela fortuna, refletida na fase de prosperidade e crescimento social e econômico do país na época, com o apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de forte popularidade na nação brasileira, de forma que o espírito de prosperidade, coalizão partidária e a confiança inspirada na figura de Lula foram aspectos cruciais para sua chegada à Presidência da República no Brasil. Por outro lado, é reconhecível a virtù do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, representada por suas qualidades políticas, como o bom uso da retórica resultante de seu histórico político-sindicalista, popularidade, linguagem cotidiana em seus discursos e hábil articulação política. Entretanto, possivelmente pela ausência desta mesma virtù do ex-presidente e devido a outros elementos políticos e econômicos desfavoráveis, se iniciou a crise política no Brasil. Se por um lado, o governo da presidente Dilma mostrou resistência no que se refere à concessão de cargos e outros favores e atenção à população marginalizada através da instauração de programas sociais, o que influenciou negativamente a opinião pública das elites. Por outro, destacam-se elementos desfavoráveis como sucessivos escândalos de corrupção na esfera partidária, a má gestão da Petrobrás, forte descentralização política no sistema bicameral brasileiro para com o executivo, etc. Com isto, se pode afirmar que a soma destes fatores alterou a fortuna inicial que marcou o começo do governo da presidenta Dilma Rousseff.

Vê-se no país não só uma crise econômica, mas, simultaneamente, uma crise de representatividade política. Desta maneira, Maquiavel cita líderes que atingem o poder por meio dos “grandes” (elites). Segundo ele, tal líder se veria em maiores problemas do que quando eleito por “pequenos” (a chamada massa), já que, para a manutenção do poder com a massa bastaria fazer com que esta não fosse oprimida, enquanto que aos grandes seria pressuposto que sempre desejariam ter tanto ou mais poder que o líder. Neste sentido, Maquiavel menciona a ineficácia do constante uso de “perversidades” contra a população e como isto gera a perda de poder, de forma similar. Tal análise pode ser feita no Brasil, pois a tomada sucessiva de medidas impopulares para conter a crise econômica, que interferiu nos setores energéticos, alimentício, por exemplo, ao longo dos últimos meses, tem motivado uma insatisfação generalizada na população brasileira. Por outro lado, a recente demissão em massa, seguida pela troca de membros dos cargos de alto escalão de empresas e do governo, por exemplo, em represália ao incentivo da instauração do processo de Impeachment, pode ser considerada por Maquiavel como um ato inteligente, visto que o autor defendia a destituição imediata do poder de possíveis opositores. Portanto, a figura do ex-presidente Luiz Inácio Lula, dotada de evidente virtù, pode ser analisada como muito destoante em relação à atuação da presidente Dilma. Quanto ao caráter da formatação da política externa brasileira, por exemplo, o ex-presidente sempre configurou uma diplomacia “presencial” e carismática, junto de uma política multilateral diferenciada, que concedeu ao Brasil certa estabilidade e confiança para investimentos internacionais. Enquanto isto, o governo Dilma, destituído da mesma virtù, apresentou uma diplomacia própria, mais pragmática e técnica, que consistiu muito mais no envio de representantes e intermediários em numerosos encontros internacionais, o que pode ter trazido ao Brasil uma queda de confiança e diminuição drástica de oportunidades de fechamento de acordos. Por fim, destaca-se a relevância da distinção da virtù e fortuna dos dois líderes, no que se refere às dinâmicas que propiciaram a ascensão e permanência de ambos. Muitos autores citam a pessoalidade (da diplomacia) e o carisma político-popular do ex-presidente como elemento crucial a sua forma de exercer e influenciar o poder, capaz de legitimar e muitas vezes atenuar possíveis crises políticas, considerando também o contexto econômico em que o mesmo assumiu a presidência. Já na crise do governo Dilma se caracteriza uma crescente insatisfação provocada por elementos ausentes da virtù, somada ao contexto de crise de representatividade, em função da visibilidade dos jogos de poder, acrescidos de uma polarização partidário-ideológica, que tem incitado protestos dos mais diversos gêneros.


REFERÊNCIAS

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Wmf Martins Fontes, 4ed, São Paulo, 2010.

CHEVALIER, Jean-Jacques, As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. AGIR. P. 17-49, Rio de Janeiro, 1993.

NOGUEIRA, Octaciano Costa. Introdução à Ciência Política. V 1, Brasília: Senado Federal, Unilegis, 2006.

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