top of page

Os Resultados do Referendo: O BREXIT e um período de incertezas


O referendo ocorrido no Reino Unido no dia 23 de junho de 2016 marcou a vitória da campanha pela saída do país da União Europeia, popularmente conhecida como Brexit, que obteve uma vantagem de mais de milhão de votos sobre a campanha pela continuidade britânica no bloco. Embora o resultado do referendo tenha sido definido durante a madrugada do dia 24 de junho, a dimensão das consequências da escolha dos britânicos ainda é incerta. A decisão tomada pelos britânicos influenciará a relação do país com o bloco europeu, assim como a própria existência da União Europeia, nos próximos meses ou anos. A forma como essa influencia se dará, no entanto, ainda é incerta.

Diferentes cenários do que aconteceria a partir da vitória da campanha pelo Brexit foram criados por analistas políticos e financeiros nos últimos meses. De antemão, se imaginava que o eventual processo de saída do Reino Unido do bloco europeu seria longo. Estima-se que anos de negociação possam ser necessários antes que a saída britânica do bloco seja efetivada. Isso porque tal processo hoje consiste em uma espécie de “tabu”, já que nunca antes um país-membro deixou o bloco europeu. Com o resultado do referendo sendo favorável ao Brexit, mesmo após as diversas concessões feitas pela União Europeia ao Reino Unido em fevereiro deste ano, não se tem certeza de que forma as relações políticas e comerciais entre o Reino Unido e os países membros do bloco europeu se darão a partir da efetiva saída do país do bloco.

Um possível cenário envolve a continuidade do Reino Unido no Mercado Comum Europeu; no entanto, o Reino Unido continuaria obrigado a acatar exigências e regulamentações propostas pela União Europeia, com o diferencial de não poder mais participar das arenas decisórias europeias. Outro possível cenário prevê o Reino Unido se colocando como concorrente comercial da União Europeia; este cenário de competição política e, principalmente, econômica poderia fazer ressurgir antigos conflitos entre o Reino Unido e outros países do bloco europeu.

Incerto também é o futuro do governo britânico. Com a derrota da campanha que apoiou, começaram as pressões pela saída do Primeiro Ministro David Cameron. É possível analisar este processo com premissas da teoria construtivista, onde Friedrich Kratochwil (1989), avalia a estrutura internacional sendo construída socialmente, de acordo com as ações dos agentes, sendo assim, agentes e estruturas são co-construídos, um exercendo influência sobre o outro; da mesma forma que Cameron foi importante agente durante o processo de negociações com a União Europeia, ele também foi influenciado pela posição abertamente favorável à continuidade no bloco europeu que assumiu. Durante a manhã, Cameron atendeu às pressões e anunciou sua renúncia, prevista para outubro.

O futuro da União Europeia, em especial do projeto de integração, após um cenário de Brexit ainda é incerto. Com o resultado do referendo favorável ao Brexit, se fortalece o sentimento eurocético no continente europeu. Políticos da França e da Holanda, Marine Le Pen e Geert Weilders, aproveitaram a situação para advogar pela realização de referendos semelhantes em seus países. Outro possível cenário é do fortalecimento do euroceticismo em países europeus que não fazem parte da Zona do Euro (como a Suécia e a Dinamarca) que, com a saída do Reino Unido do bloco, têm menos voz e espaço nas negociações com os países da Zona do Euro e, possivelmente, serão ainda mais pressionados para adotarem o Euro.

Uma das consequências do Brexit que não recebeu devida atenção durante o período de campanha que precedeu o referendo foi a forma como esse processo afeta a integração do próprio Reino Unido. Na Escócia, onde todos os distritos eleitorais tiveram a maioria dos votos favoráveis à continuidade do Reino Unido na União Europeia, a Primeira Ministra Nicola Sturgeon já se posicionou afirmando que “A Escócia enxerga seu futuro como parte da União Europeia”. Com o resultado favorável do Brexit, um cenário onde a Escócia volta a exigir um plebiscito sobre a questão da independência parece eminente; cenário semelhante pode ser previsto no caso da Irlanda do Norte, onde o Sinn Féin ensaia exigir um referendo sobre a reunificação da Irlanda. A Espanha ensaia também pedir a soberania compartilhada do território de Gilbratar.

De acordo com Alexander Wendt (1999), as identidades precedem os interesses. A campanha pelo Brexit deixou isto claro, usando a identidade britânica como combustível durante o período de campanha, influenciando o voto de parte majoritária da população britânica, em especial os mais velhos. Em contraposto, os jovens foram influenciados por sua identidade como cidadãos europeus, apoiando assim de forma majoritária a campanha do Bremain. O referendo não mostrou apenas um Reino Unido dividido em países e regiões, mas também dividido por diferentes identidades e assim, diferentes interesses.

Quanto ao mercado, este recebeu de forma bastante negativa o resultado do referendo do dia 23 de junho. A libra esterlina experimentou sua pior queda desde em 1985, chegando a cair mais de 10% em relação ao dólar. Além disso, estima-se que o Reino Unido poderá perder sua classificação de crédito AAA pela agência de classificação de risco Standard & Poor. Já a União Europeia, sem o Reino Unido o bloco pede 18% de seu PIB e mais de $ 18 bilhões em contribuições orçamentais anuais. No entanto, não há consenso se tais consequências negativas serão apenas sentidas apenas em curto prazo ou se acarretarão um cenário mais sério de problemas econômicos. Questões bastante abordadas durante o período de campanha, como a questão da imigração e da criação de novos acordos bilaterais entre Reino Unido e outros países do mundo, continuam incertas por estarem intimamente conectadas com a forma como as negociações entre o Reino Unido e a União Europeia se darão.

Diferentes cenários podem ser criados sobre o futuro do Reino Unido, da União Europeia e da relação entre estes dois agentes. No entanto, por se tratar de um processo sem precedentes, o cenário europeu neste dia 24 de junho, um dia após a votação do referendo, está coberto de incertezas. Faz-se necessário continuar analisando de que forma o processo de negociação se dará a partir de então, e qual processo influenciará e será influenciado pelo cenário político e econômico europeu e britânico.


REFERÊNCIAS:


After the vote, chaos. The Economist, Londres, 24 de jun. 2016. Disponível em: <http://www.economist.com/news/britain/21701264-britain-has-voted-leave-eu-what-follows-will-be-new-prime-minister-volatile-financial?force=scn/tw/te/pe/ed/afterthevotechaos/>. Acesso em: junho de 2016.

Brexit: Espanha propôs soberania partilhada de Gibraltar. TSF Rádio Notícias, Lisboa, 24 de jun. 2016. Disponível em: <http://www.tsf.pt/internacional/interior/brexit-espanha-propos-soberania-partilhada-de-gibraltar-5246327.html>. Acesso em: junho de 2016.

British PM Cameron Will Resign by October After Brexit Vote. Sputnik, Moscou, 24 de jun. 2016. Disponível em: <http://sputniknews.com/politics/20160624/1041863395/brexit-cameron-resign.html?utm_source=https%3A%2F%2Ft.co%2FAN6p2bEWyN&utm_medium=short_url&utm_content=b7vF&utm_campaign=URL_shortening >. Acesso em: junho de 2016.

CRAMB, Auslan; HENDERSON, Barney. SNP threaten break-up of the UK as Nicola Sturgeon says second independence vote is now 'highly likely'. The Telegraph, Londres, 24 de jun. 2016. Disponível em: <http://www.telegraph.co.uk/news/2016/06/24/snp-says-scotland-sees-its-future-as-part-of-the-eu-and-sinn-fei/>. Acesso em: junho de 2016.

Divided we fall. The Economist, Londres, 18 de jun. 2016. Disponível em: <http://www.economist.com/news/leaders/21700637-vote-leave-european-union-would-diminish-both-britain-and-europe-divided-we-fall?fsrc=scn/tw/te/pe/ed/dividedwefall>. Acesso em: junho de 2016.

FREUDENSTEIN, Roland; DREA, D. Eoin; AGGELOU, Aggelos. Brexit in Focus: Six ways it will fundamentally change the EU. Bruxelas: Wilfried Martens Centre for European Studies, 2015.

MÖLLER, Almut; OLIVER, Tim. The United Kingdom and the European Union: What would a “Brexit” mean for the EU and other States around the World?. Berlim: Deutsche Gesellschaft für Auswärtige Politik, 2014.

NOGUEIRA, João Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais: Correntes e Debates. 2 ed. São Paulo: editora Campus, 2008.

WISHART, Ian; CAMPBELL, Matthew. What Now? Brexit Win Sets Stage for Two Years of Bitter Talks. Bloomberg, Nova York, 24 de jun. 2016. Disponível em: <https://www.bloomberg.com/news/articles/2016-06-24/what-now-brexit-win-sets-stage-for-two-years-of-bitter-talks>. Acesso em: junho de 2016.

The Arguments for Voting Remain. The Economist, Londres, 14 de jun. 2016. Disponível em: <http://www.economist.com/blogs/buttonwood/2016/06/eu-referendum-2?fsrc=scn/tw/te/bl/ed/>. Acesso em: junho de 2016.

The International Spectator. Disponível em: <https://twitter.com/intlspectator>. Acesso em: junho de 2016.

Veja também
Verifique em breve
Assim que novos posts forem publicados, você poderá vê-los aqui.
Destaques

Um site que é a cara do curso de Relações Internacionais. 

Notícias do dia
Verifique em breve
Assim que novos posts forem publicados, você poderá vê-los aqui.
Redes sociais 
  • Instagram Social Icon
  • YouTube Social  Icon
  • Blogger Social Icon
  • Wix Twitter page
  • Wix Facebook page
Follow us 
  • Black Facebook Icon
  • Black Instagram Icon
  • Black Twitter Icon
  • Black Blogger Icon
bottom of page