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A Guerra Civil Síria: reflexões sob o olhar do paradigma Pluralista



Atualmente, a guerra na Síria é considerada um dos conflitos civis de maior amplitude no cenário internacional, uma vez que abarca uma crise humanitária sem precedentes, haja vista que a região se tornou palco pela disputa de poder no âmbito doméstico e internacional. Tamanha é a dimensão do conflito, que desde 2011 foram registrados mais de 470 mil mortos, além de 4,8 milhões de refugiados. Contudo, para entender a questão do conflito tal como se apresenta hoje, é necessário pontuar alguns aspectos históricos que se encontram nas raízes da crise desse país.


No contexto das intervenções europeias, no período pós-primeira guerra mundial, a política colonial francesa atuou fortemente na “Grande Síria”, região que hoje corresponde aos estados da Síria, Líbano e Turquia, mascarando a fragmentação territorial e as divergências étnico-religiosas. Para Furtado et al (2014), em prol do enfraquecimento da unidade árabe, a França instituiu “pequenas divisões no país, governadas por um grupo que representava a minoria da população, os alauítas, em detrimento da maioria sunita”, a fim de desarticular movimentos nacionalistas. O estado Sírio só se tornou independente em 1946, quando as Nações Unidas pressionaram pela retirada das forças europeias no território. Assim, após o seu estabelecimento, houve uma disputa de poder pelo controle do território Sírio, com diversos governos ao longo de 1946 a 1958; de maneira que os dois golpes de estados seguintes iriam reforçar o fortalecimento dos alauítas no poder.


Cabe ressaltar que na década de 70 a família Assad, parte da minoria alauíta, chegou ao poder, a despeito da maioria sunita, bem como minorias de origem cristã e drusa, e permaneceu no governo do país por 30 anos, fazendo uso de políticas autoritárias e favorecimento de minorias. Portanto, foi nesse cenário interno que Bashar Al Assad assumiu a presidência da república, com grande insatisfação popular, em especial da maioria sunita, para o caráter ditatorial do governo. Em 2011, teve início uma onda de protestos, cuja repressão violenta inflamou ainda mais as mobilizações por parte do povo, a fim de derrubar o governo e alcançar melhorias do ponto de vista econômico e social, culminando em disputas armadas, entre as forças do exército e os grupos de resistência.


Com o tempo, o conflito civil tomou novas dinâmicas envolvendo outros Estados, inseridos em coalizões, como Rússia e Irã, pró-Assad e, do outro lado, EUA-Europa-Arábia Saudita-Turquia, que defendem o fim do governo de Assad, condenando as violações dos direitos humanos da população, incluindo registros do uso de armas químicas pelas forças do governo, bombardeios de coalizões aliadas em áreas de civis. Além disso, há a disputa pelo domínio de território por parte das facções rebeldes (atualmente fragmentadas), governo Sírio e o grupo terrorista do autodenominado Estado Islâmico da Síria e do Iraque (ISIS).


No bojo das Relações Internacionais, a guerra civil Síria pode ser analisada com base no paradigma teórico pluralista. Na definição de Sarfati (2005), paradigmas são agrupamentos de teorias e teóricos com elementos em comum; de forma que o paradigma em questão apresenta premissas básicas para análise de um evento internacional: (1) a importância de atores não-estatais, como as ONGs, Organizações Internacionais (OIs), grupos de interesse, forças transnacionais; (2) veem o Estado como um ator que não unitário, visto que a formulação de sua política externa é resultado da interação entre forças internas e externas a esse Estado, capaz de influenciar no ambiente decisório; (3) o pluralismo rejeita a segurança nacional como prioridade de um Estado e considera a relevância de outras agendas, a exemplo da economia, meio ambiente, direitos humanos e questões culturais.


No olhar do paradigma pluralista nos convém compreender o papel da população síria contra o governo, através dos protestos que que iniciaram o conflito, sendo esta uma força interna ao governo, insatisfeita com a esfera econômica e o caráter político-autoritário. Neste caso, o Estado ou governo de Bashar Al Assad não é visto como o principal ator social, mas sim como um dos atores relevantes na questão, que, na atualidade, engloba uma diversidade de atores: (a) entre os que lutam contra o governo Sírio, na disputa por território, estão facções rebeldes (Exército Livre Sírio, Forças de frente do Sudeste, Exército do Islam e forças curdas), grupos considerados terroristas (Al-Nusrah, braço da Al Quaeda e ISIS); (b) no âmbito internacional, considera-se os EUA, que apoia os grupos rebeldes moderados, além de Turquia e Arábia Saudita e a Russia, Irã, China e o grupo Hezbollah OIs como a ONU, que condena a violação de direitos humanos universais registradas no conflito; (d) OINGs, que frequentemente levam assistência e denunciam o que consideram ser crimes de guerra na região, tais como Anistia Internacional e Human Rights Watch; e (e) empresas multinacionais, tanto as de origem Síria quanto as externas, que tem realizado comércio das armas utilizadas na guerra civil.


Portanto, as decisões do governo de Bashar Al Assad, bem como o desenrolar do conflito nos últimos 6 anos, têm sido resultado das relações de barganha e disputa pelo poder entre esses grupos sociais, não restringindo o campo de formulação de políticas unicamente aos Estados, considerando que o governo de Assad se vê fortemente pressionado, no âmbito doméstico, pela destruição do país e a resistência da população, a essa altura fragmentada nos mais diversos grupos de interesse. Ao mesmo tempo, há o avanço do grupo terrorista ISIS, bem como a atuação militar das coalizões de países contra e a favor desse governo. Além disto, a ONU se tornou um ator preponderante, a partir do momento em que tenta pressionar o governo e seus aliados através de sanções.


Desta forma, conforme propõe o paradigma pluralista, a questão da segurança nacional deixa de ser a prioridade dos Estados envolvidos no conflito, uma vez que, parte das motivações que fomentaram as manifestações e mantém o conflito, são o caráter econômico e social, onde o povo passou a exigir a elaboração de uma nova constituição e aproximação política mais democrática. Por fim, destaca-se também a crise dos refugiados, que se tornou de relevância ímpar no cenário internacional, já que atinge tanto os países europeus quanto os países fronteiriços à Síria, no sentido de que se tornou um tema passível de diálogo entre os diferentes atores sociais.


Referências

ASSEBURG, Muriel; WIMMEN, Heiko. Civil War in Syria: External Actors and interests drivers of conflict. German Institute for International and security affairs, 2012.


FURTADO, Gabriela; RODER, Henrique; AGUILAR, Sérgio L. C. A Guerra Civil Síria, o oriente médio e o sistema internacional. Série Conflitos Internacionais, vol. 1, nº 6, 2014.


SARFATI, Gilberto. Teoria das Relações Internacionais. Saraiva, 2005.


ZAHREDDINE, Danny. A Crise na Síria (2011-2013): Uma análise multifatorial. Revista Conjuntura Austral, vol. 4, 2013.

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