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O papel da OMS: Diálogos entre a Teoria da Interdependência Complexa e a Governança Global


A questão do acesso às condições dignas de saúde global representa uma preocupação antiga dos Estados, culminando na fundação da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1948, como uma agência especializada da ONU. Atualmente, a organização é formada por mais de 194 estados-membros e, por esta razão, apresenta 6 escritórios regionais localizados na África, Américas, Ásia do Sudeste, Europa, Mediterrâneo Oriental e Pacífico Ocidental.


Atribui-se a ela a luta contra epidemias regionais, intervenções sanitárias e a produção de relatórios de pesquisa sobre doenças e crises. Contudo, é possível questionar que, quando comparada à importância dos Estados e suas relações, a OMS ocupa um lugar relevante na política mundial do século XXI? Este questionamento pode ser analisado a partir de duas perspectivas: a Teoria da Interdependência Complexa e a Governança Global.


A primeira perspectiva, dos teóricos Robert Keohane e Joseph Nye (2001), sugere que no cenário internacional a interdependência entre os países e atores não estatais (Organizações Internacionais, ONGs, blocos): (i) não pode ser resumida em benefícios mútuos (e iguais) entre os Estados-nação; (ii) não promove a redução de conflitos, (iii) torna-se um recurso de poder a favor de diferentes países a depender dos temas de negociação; (iv) conecta as sociedades por canais multiplos; (v) a segurança nacional não é o principal tema de interesse dos Estados, pois isto depende da relevância das emergências e discussões globais do período e (vi) estabelece que as Organizações Internacionais tem um papel fundamental na política mundial.


Outro ponto importante é que na Interdependência complexa o poder não é unicamente reflexo da capacidade militar dos Estados, dado que em determinadas esferas este tipo de poder não é adequado para alcançar um objetivo e, na mesa das negociações internacionais, duas dimensões não-militares são levadas em conta: a sensibilidade, correspondente a como um Estado será impactado por uma política de outro ator do cenário internacional e a vulnerabilidade, a qual representa os seus custos de recuperação, na formulação de uma resposta política alternativa.


Logo, na Teoria da interdependência complexa, o processo da política mundial se expande para além das questões militares e, mostra a importância dos regimes internacionais. Tais regimes não são apenas reflexos de recursos de poder, haja vista que influenciam nos processos políticos da interdependência entre os países e outros atores. Porém, para que alcance os objetivos dos atores participantes destes arranjos internacionais, coloca-se a frente o desafio da governança global, a qual tem balanceado o poder e criado novos meios de articulação política.


No que se refere ao conceito de governança global, James Rosenau (2000) a define como meio e um processo multinível, isto é, local, regional e global - para atingir resultados eficazes sobre problemas comuns através da atuação de diversos atores na arena internacional.


Diante dos temas críticos à saúde global do século XXI, entende-se que estes não dependem unicamente da atuação dos Estados, nem são esforços de cooperação exclusivos à Organização Mundial da Saúde (OMS). Pois, em linhas gerais, a interdependência no campo da saúde depende e ocorre entre Estados, governos subnacionais (prefeituras, estados), sociedade civil, ONGs (Médicos sem Fronteira e Cruz vermelha), OIs (Banco Mundial, outras agências da ONU – UNICEF, UNSAID, etc); instituições filantrópicas, como por exemplo a Fundação Gates; Multinacionais farmacêuticas; Grandes centros de pesquisa em medicina e Blocos Econômicos.


Tal como previsto por Nye e Keohane, o reconhecimento desta multiplicidade de atores e canais interagindo no cenário internacional, a OMS, como um rico exemplo de liderança na saúde global, diante de diversas crises atenuadas no século XXI – H1N1, Vírus Ebola, Zika Vírus – deixa de ser uma organização internacional de fácil compreensão. É fato que a sua própria fundação, na década de 1946, obedece as tendências observadas na Teoria da Interdependência complexa, por se tratar de um regimes internacional, cujo arranjo tem como objetivo lidar com as diferentes conjunturas acerca da saúde do cenário mundial.


Assim sendo, na diversa agenda de assuntos da OMS, a organização oferece um espaço maior a possibilidade de cooperação e diálogo entre atores estatais e não-estatais, além da divulgação de temas (doenças emergentes, pandemias, campanhas regionais em parceria com governos nacionais e subnacionais). Um exemplo disto pode ser observado durante a crise do vírus Ebola, que teve uma rápida disseminação no ano de 2014, na África ocidental e, meses mais tarde, em nações europeias e americanas, período em que as nações do mundo inteiro mantiveram rígidos esforços contra o potencial infeccioso da doença, restrigindo suas políticas migratórias e ampliando os investimentos de apoio às regiões afetadas. Por esta via, o crescente espalhamento do vírus no globo se tornou uma das agendas prioritárias no período, que ocupou atenção de todo o Sistema Internacional.


Esta visão é conivente com as ideias de Keohane e Nye (2001), ao considerar que nem sempre a segurança militar entre Estados será sua agenda prioritária. Isto pode ser percebido, de forma mais intensa, nos Estado-nações africanos e nos blocos econômicos locais que foram diretamente afetados pela crise de saúde e insalubridade, como Guiné, Libéria, Serra Leoa, Nigéria, Uganda, alguns dos quais tiveram suas economias fortemente influenciadas pelas iniciativas de isolamento, redução comercial e fechamento de fronteiras, desafio que se somou às crises humanitárias que já assolam algumas destas regiões.


Ou seja, não só a segurança militar não foi encarada como prioritária na discussão internacional, como surgiram outras esferas e preocupações dos Estados, tais como o restabelecimento da economia e do turismo, a melhoria da vigilância sanitária e a busca por cooperação internacional, organizada sob a tutela da OMS, na luta contra a epidemia, que, na época, contou com esforços de diversos atores, equipes médicas especializadas de diversos países e injeção de capital por outras instituições.


Ao resgatar a perspectiva da Teoria da interdependência complexa, a prática da governança global passa a ter como obstáculo os diferentes níveis de sensibilidade e vulnerabilidade de cada Estado-nação e atores não-estatais no ambiente internacional, quando colocados diante de uma crise emergencial ou mesmo de metas da saúde global a serem alcançadas. Nesta ótica, quanto menores forem os custos de sensibilidade e vulnerabilidade dos países-membros frente a pauta de discussão da OMS, seja no envio de investimentos, na colaboração com alguma pesquisa ou na expansão de relações com outros países, é possível que menor seja seu engajamento para a cooperação neste problema da saúde. Deste modo, a constituição da governança global da OMS acerca deste tema pode ter sido fortemente afetada em um dos seus níveis.


Entretanto, apesar das críticas e limitações da Organização Mundial da Saúde na execução de metas, não se deve negar que existe uma crescente possibilidade de avanços em prol da governança global na saúde, considerando que a arena internacional é palco de fenômenos e de agentes cada vez mais dinâmicos e interdependentes.


Referências


KEOHANE, Robert O., NYE, Joseph S. Power and interdependence. 3a ed. New York: Longman, 2001.


KRASNER, Stephen D. (Ed.). International regimes. Ithaca: Cornell Univ Press, 1983


ROSENAU, James N. e Czempiel, Ernst-Otto. Governança sem governo: ordem e transformação na política mundial. Brasília: Ed. Unb e São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000.


ONU, 2017. Agencias Internacionais enviarão ao Brasil mais de 35 milhões de vacinas < https://nacoesunidas.org/agencias-internacionais-enviarao-ao-brasil-mais-de-35-milhoes-vacinas-febre-amarela/ > Acesso em 04 abril, 2017.


___, 2017: OMS alerta: Sarampo ressurge na Europa e já mata mais de 22 mil pessoas < https://nacoesunidas.org/oms-alerta-sarampo-ressurge-na-europa-e-ja-atinge-mais-de-22-mil-pessoas/ > Acesso em 04 abril, 2017.

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