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Os novos rumos políticos trazidos pela Assembleia Constituinte da Venezuela no cenário internacional

No cenário da crise política, econômica e humanitária da Venezuela, o presente artigo discute o novo capitulo político da Venezuela em suas relações internacionais, correspondente à decisão de instauração da nova Assembleia Constituinte, defendida pelo atual presidente Nicolás Maduro.

A Teoria dos Jogos de Dois Níveis, proposta por Robert Putnam (2010), avalia que determinadas decisões e acordos de um Estado devemos atentar para o fato de que as esferas domésticas, estatais e internacionais estão frequentemente entrelaçadas, isto é, no nível nacional, haverão diferentes grupos de interesse aptos a pressionar o Estado na tomada de decisões, organizações internacionais e não-governamentais também influenciam as decisões do governo.


Assim, a luta política de uma negociação é concebida como um Jogo de Dois Níveis: no estágio de nível I é situada a primeira barganha ou acordo provisório, enquanto no estágio de nível II a discussão estará voltada à ratificação ou não ratificação do acordo do nível I.

A Venezuela representa um caso peculiar na história da América Latina, influenciada pela preponderância do petróleo na economia e as raízes do governo de Hugo Chavez (1999-2013), cujo projeto político almejava promover o desenvolvimento através de uma espécie de “socialismo do século XXI”.


É inegável a importância da Venezuela na economia mundial, uma vez que desde o século XIX, o país assumiu uma posição estratégica no globo, abrigando a maior reserva (comprovada) de petróleo do mundo, produto essencial na lógica de desenvolvimento urbano e capitalista, o que concedeu à Venezuela da década de 1950 o status de maior exportadora mundial de petróleo.


Por mais que o país estivesse em uma fase economicamente próspera, tendo como principal parceiro os EUA, internamente sua estrutura social permanecia marcada pela desigualdade e miséria, e, durante a década de 1980, devido à queda do preço no petróleo, que a Venezuela enfrentou uma crise econômica mais severa. Neste cenário caótico, surge a figura do ex-presidente venezuelano Hugo Chavez.


Como aponta Mendes (2013), na Venezuela os números de avanços sociais não explicam a complexa situação do país, que vem experimentando ciclos de crescimento em diferentes fases de sua história, entretanto, os mais diferentes governos conservam a incapacidade de estruturar uma indústria nacional resistente às crises internacionais e quedas petroleiras, de forma que sua estrutura produtiva pouco diversificada revela um problema estrutural relevante à atualidade.


Desta maneira, a atual crise econômica, política e humanitária da Venezuela de Nicolás Maduro (2013-), sucessor de Hugo Chavez, tem em sua origem diversos vetores: declínio do chavismo após seu falecimento, deterioração econômica trazida pela queda nos preços de petróleo desde 2014 – que representa 96% da renda no país – a diminuição de importações e aumento da escassez de alimentos, medicamentos e insumos industriais e uma forte polarização política, porque enquanto o parlamento – pela primeira vez em 17 anos – possui maioria da oposição, o governo de Maduro conta com o apoio do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) e o Conselho Nacional Eleitoral (CEN), acusados de servir exclusivamente aos interesses do executivo, dentro das crescentes denúncias de fraude eleitoral.


Não bastasse as tensões políticas entre estes grupos e os números inflacionários exorbitantes, nas ruas o povo tem protestado com mais força após o Tribunal Supremo de Justiça venezuelano ter emitido uma sentença assumindo as competências do legislativo, sob a justificativa de que o mesmo estaria em fase de desacato, episódio que foi classificado pela oposição como o princípio de um golpe de Estado no país.


Em meio a tais disputas, o surgimento e um novo capitulo político em meio à crise tem dividido o cenário internacional e a Venezuela desde quando o presidente Nicolás Maduro convocou a formação de uma nova Assembleia Constituinte. Mas, afinal de contas, o que é uma Assembleia Constituinte e qual o seu significado para a Venezuela no cenário internacional? De forma geral, a Assembleia Constituinte de um país corresponde ao órgão responsável por redigir ou revisar determinada constituição, além de poder destituir autoridades sem o aval de qualquer outro poder.


Desta forma, conforme a Teoria dos Jogos de Dois Níveis, a análise acerca da convocação da Assembleia Constituinte na Venezuela exige um olhar atento sobre os diferentes níveis em que a decisão se processa e quais deles tem influenciado sua ratificação, sendo impossível avaliar os desdobramentos do órgão para a Venezuela sem considerar que pressões domésticas e internacionais compõem o quadro político.


À nível local, faz-se necessário observar as motivações das duas principais forças políticas: (i) os chavistas, representadas pelos simpatizantes ao governo de Nicolás Maduro e (ii) a oposição, em suas principais exigências, defende a antecipação das eleições presidenciais para retirada de Maduro do poder, o fim da repressão política e a ocorrência das eleições regionais que deveriam ter ocorrido em 2016.


No plano do nível internacional, a opinião da comunidade internacional se divide entre (i) os principais países aliados em apoio a Assembleia Constituinte de Nicolás Maduro estão no continente latino-americano: são Bolívia, Equador, Cuba, El Salvador e Nicarágua e no oriente, no caso da Rússia, Irã e China; (ii) os países que condenam a Constituinte, classificando-a como ilegítima e de caráter autoritário, a exemplo do México, Brasil, Colômbia, Uruguai, Paraguai, Canadá, Argentina e Estados Unidos e (iii) as organizações internacionais que tem exercido forte pressão por meio de notas públicas de condenação e, no caso de algumas - sanções, entre as instituições contrárias estão a ONU, União Européia, Organização dos Estados Americanos (OEA), Mercosul e até mesmo o Vaticano.


A partir disso, também em congruência com o pensamento de Putnam (2010), definem-se dois tipos de atores internacionais frente a ratificação da Assembleia Constituinte: os primeiros são as forças isolacionistas, que se recusam a cooperar com a Constituinte, posição que pode ser verificada tanto em países do continente americano, como no rechaço de organizações internacionais, questão materializada na recente expulsão da Venezuela pelo bloco do Mercosul, devido ao descumprimento de sua cláusula democrática, sua saída da Organização dos Estados Americanos, além do rompimento público da Igreja Católica com a medida política venezuelana.


Em segundo caso, decorrem as forças internacionalistas, definidas por Putnam como “aquelas que oferecem apoio incondicional a medida”. Enquanto o governo norte-americano tem oferecido sérias sanções de bloqueio econômico a membros da Assembleia Constituinte e à contas de Maduro, além de ameaças de intervenção militar, o Irã, China e Rússia tem manifestado apoio à Constituinte Venezuelana, reafirmando com esta posição o que o próprio país chama de Movimento de Países Não-Alinhados, envolvendo parcerias econômicas e políticas cuja trajetória oferece resistência às forças imperialistas do ocidente.


Se a nova Constituinte Venezuelana tem sido recebida negativamente pela opinião internacional, cuja tendência tem sido alinhar países latino-americanos com o objetivo de provocar um profundo isolamento na economia da caótica Venezuela, ao mesmo tempo as recentes ameaças norte-americanas de intervenção militar tem fomentado o desprezo dos países latino-americanos e do Mercosul, que, em nota, reafirmou que “os únicos instrumentos aceitáveis para a promoção da democracia são o diálogo e a diplomacia”.


Por fim, ao refletir sobre os diferentes cenários trazidos pela convocação da Assembleia Constituinte, a Teoria dos Jogos de Dois Níveis não nos permite ignorar que este capítulo histórico pode trazer resultados imprevisíveis, principalmente se percebermos que a reduzida taxa de participação do povo fomenta alinhamentos transnacionais, ou seja, com ONGs, Organizações, países, o que significa que, em algum momento, à medida que as leis produzidas na Constituinte forem elaboradas, o conjunto de áreas afetadas pelas suas decisões tenderá a politizar cada vez mais o tópico, exigindo do presidente Maduro o uso de estratégias políticas inovadoras, visto que é provável que as coalizões domésticas tragam novas opções políticas ao futuro da Venezuela.


Referencias:

MENDES, Flavio. Reforma ou revolução na Venezuela pós-chave?. Grupo de Estudos de Políticas Sociais da América Latina, Anais do V Simpósio de Lutas Sociais da América Latina, São Paulo, 2013.

NOVAES, Marina. O Legado de Chavez oscila entre avanços sociais e indústria fragilizada. TERRA, Acesso em 09/08/2017 <https://www.terra.com.br/noticias/mundo/america-latina/morte-hugo-chavez/legado-de-chavez-oscila-entre-avancos-sociais-e-industria-fragilizada,c0c7cc7d0c04d310VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html.> 2013.

PUTNAM, Robert D. Diplomacia e política doméstica: a lógica dos jogos de dois níveis. Rev. Sociol. Polit, vol.18, n.36, pp.147-174, São Paulo, 2010.

REUTERS. Governo Trump aprova sanções contra irmão de Hugo Chavez. Acesso em 09/08/2017 < https://www.terra.com.br/noticias/mundo/eua-impoem-sancoes-a-mais-8-venezuelanos-incluindo-irmao-de-chavez-poupam-setor-de-petroleo,c7db9656f88e3a2d5c06a415520ac5e5vou2nvkk.html. > 2017.

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