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A Catalunha possui o direito à Independência?- contribuições de Walker e Campbell


O governo local da Catalunha anunciou, no último dia 09 de Setembro, a data para a realização do referendo a respeito da possível independência do território em relação à Espanha, que será no dia 01 de Outubro. Entretanto, no dia 20 de setembro, a Guarda Civil Espanhola realizou uma ação que culminou na detenção de cerca de 14 pessoas, incluindo, dentre essas, várias pessoas ligadas a altos cargos do governo catalão. Além disso, significativa quantidade de material eleitoral, como pôsteres de propaganda, cédulas de votação do referendo etc., foram confiscadas.

O referendo, apelidado pelos catalães como Referéndum del 1-0, em alusão a data na qual ele está estipulado, é percebido por uma grande parcela da sociedade local como a materialização de um desejo que perpassa por gerações. Esse desejo ganhou contornos jurídicos com a criação da Lei de Transitoriedade Jurídica para a Fundação da República, no final de agosto, ratificando a luta da parcela independentista catalã. Um aspecto que deriva da Lei da Transição Jurídica é a motivação por uma independência a todo custo, o que gera choques tanto intraterritoriais (em secções do governo com visões distintas quanto ao rumo da Catalunha), quanto extraterritoriais (ratificadas com os fatos do dia 20 de setembro, ou 20-S, como veiculado pela imprensa catalã) (EL DIARIO, 2017; LA VANGUARDIA, 2017).

No que diz respeito à luta catalã pela independência de seu território frente à Espanha, uma sucessão de acontecimentos moldou o cenário vivenciado em 2017. A literatura mostra que a Catalunha era vista como nação independente até a derrota militar em 1714 (FUNAG, 2016). A partir dessa derrota, buscou-se a construção de um movimento, a partir da revalorização da língua e cultura catalã (o denominado catalanismo), o que foi basilar para a não cessação das tentativas de independência da região.

Diferentemente do País Basco, que se utilizou da iniciativa armada, por meio do grupo terrorista ETA (Pátria Basca e Liberdade), o movimento catalão viu na transição da valorização cultural para a política um mecanismo de manutenção da identidade regional de seus habitantes (FUNAG, 2016). Entretanto, tal iniciativa foi duramente repreendida no período do governo ditatorial de Francisco Franco, que durou dentre 1938 a 1973.

Ao discorrer acerca de movimentos separatistas na contemporaneidade, a perspectiva pós-moderna aplicada as Relações Internacionais se mostra como capaz de desenvolver análises não suficientes para suscitar maiores discussões. No que consiste a esta perspectiva, a contribuição de dois autores apresentadas a seguir.

O primeiro é Rob Walker, professor britânico, que discorre acerca do conceito de soberania, e como ele deve ser problematizado para o cenário contemporâneo (NOGUEIRA; MESSARI, 2005). De acordo com Walker, o mecanismo de delimitação de fronteiras, o que confere aos governos nacionais soberania quanto aos seus territórios, é um ato basilar para o desenvolvimento de identidades dentre as diversas nacionalidades, além de conferir a este território uma história própria, graças às transformações ocorridas no tempo e espaço. Assim, considerando o caso catalão, a identidade do povo encontra-se desconexa daquela a qual lhe é conferida no plano internacional, pois, enquanto para outros Estados essa parcela da população é espanhola, os habitantes da Catalunha (em sua grande parte), não se percebem como tal, sendo necessária a luta pelo reconhecimento.

O outro teórico é David Campbell, cientista político australiano, cuja obra perpassa pelos estudos críticos relativos à política externa, em especial a anarquia e as identidades dentro do Estado-nação. Campbell pontua a existência de uma “evangelização do medo” na construção das identidades nacionais, o que acaba constrangido indivíduos a se submeter às regras daquele governo. Como Nogueira e Messari (2005) atestam: “A produção da diferença e do outro se torna essencial para a afirmação do self” (p.216). Esse self deve ser compreendido como a unidade existencial do sujeito, aquilo que, a partir de suas experiências de vida o moldam a desempenhar certos atos, comportamentos e respostas. Dessa forma, a história mostra o quão repressiva foi à tentativa, por parte dos governos espanhóis, em extinguir as identidades que não seguissem Madrid, como vivenciado no País Basco, na Andaluzia e na Catalunha.

A partir do exposto, é possível analisar a tentativa, por parte do movimento separatista da Catalunha, em transformar o seu desejo de independência em realidade, a partir de mecanismos legais, reconhecidos no plano internacional. A repressão realizada, seja ao longo da história ou pontualmente no dia 20 de setembro, mostram mecanismos de defesa cada vez mais pautados na violência e do não diálogo.

É importante ressaltar que a região da Catalunha representa aproximadamente 20% do PIB espanhol, e que uma perda desse capital resultaria em negativas consequências para um país que vêm passando, em grande parte do século XXI, por um quadro de recessão. Somado ao fator econômico, têm-se o pensamento de que, sendo exitosa a transição da Catalunha de uma região para uma República, outros movimentos separatistas reiniciem a buscar os mesmos objetivos, a exemplo do País Basco e da Andaluzia, podendo acarretar à Espanha graves consequências políticas, sociais e econômicas.

O caso da Catalunha, que está longe de ser conclusivo, ratifica a necessidade de se discutir as mudanças paradigmáticas que envolvem o campo das relações internacionais. Isto ocorre ao analisar além do hard power, verificando como construtos majoritariamente subjetivos, como o senso de autodeterminação, identificação e pertencimento, os quais podem motivar indivíduos a redesenhar o antiquado arranjo político internacional.


Referências

COSTA, J. ¿ Tiene Cataluña derecho de autodeterminación?. Catalonia Background Information (Serie E). Barcelona: Diplocat, 2017. Disponível em: <http://www.diplocat.cat/files/docs/170420-E02ES-CatalunaDerechoAutodeterminacion.pdf>. Acesso em 21 de setembro de 2017.

DIPLOCAT. Cronologia- O Processo da Catalunha para a autodeterminação. Barcelona: Catalonia Votes, s/d. Disponível em: <http://www.diplocat.cat/files/timelines/Timeline_PT.pdf>. Acesso em 21 de setembro de 2017.

EL DIARIO. La Guardia Civil detiene al número dos de Junqueras y a otras 13 personas en una operación contra el 1-0. 2017. Disponível em: <http://www.eldiario.es/catalunya/Guardia-Civil-Conselleria-Economia-Catalunya_0_688731201.html>. Acesso em 20 de setembro de 2017.

EL PAÍS. Catalunha anuncia para 1º de outubro referendo sobre sua independência da Espanha. 2017. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/06/09/internacional/1496992021_200661.html>. Acesso em 18 de setembro de 2017.

_________. Independência da Catalunha será imediata se não houver referendo. 2017. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/21/internacional/1495389893_104663.html?rel=mas>. Acesso em 18 de setembro de 2017.

FUNAG. O Recrudescimento do Nacionalismo Catalão: estudo de caso sobre o lugar da nação no século XXI. Brasília: FUNAG, 2016. Disponível em: <http://funag.gov.br/loja/download/1139-O_Recrudescimento_do_Nacionalismo_Catalao_13_01_2016.pdf>. Acesso em 21 de setembro de 2017.

LA VANGUARDIA. Última hora de la operación de la Guardia Civil en Catalunya y la policía en la sede de la CUP por el referéndum. 2017. Disponível em: <http://www.lavanguardia.com/politica/20170920/431384881931/referendum-1-0-en-directo.html>. Acesso em 20 de setembro de 2017.

NOGUEIRA, J. P.; MESSARI, N. Teoria das Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.

O SUL. A Catalunha, em Barcelona, apresentou um projeto de lei para a sua separação da Espanha. 2017. Disponível em: <http://www.osul.com.br/catalunha-em-barcelona-apresentou-um-projeto-de-lei-para-sua-separacao-da-espanha/>. Acesso em 21 de setembro de 2017.

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