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O Bitcoin e a Economia Internacional


A lógica por trás da economia e comércio internacionais é sustentada pela moeda. Como forma de pagamento, está atrelada a algum Estado, implicando que uma moeda é, também, um elemento estatal, uma vez que é produzida por um Banco do Estado, é distribuída e monitorada por órgãos governamentais.

Embora muitas mudanças na questão de câmbio, lastro e liquidez das moedas tenham sido empreendidas ao longo dos séculos, recentemente uma nova forma de moeda surgiu e tem se popularizado, num contexto bem diferente daquele encontrado pelas instituições de Breton Woods e distante da ideia comum que se tem em torno do mundo financeiro e corporativo: as criptomoedas.

Uma análise mais superficial do termo indica o real significado do mesmo. A criptografia, uma forma de garantir segurança e esconder dados na rede de computadores, é usada como ponto de partida para dar à luz um novo tipo de moeda, conferindo-lhe sigilo e tornando possível a popularização das moedas. Atualmente, estima-se que haja mais de 1.100 moedas desse tipo, das quais as mais famosas são o litecoin, o ripple, o ethereum e o bitcoin, esta última bastante difundida.

A sua criação permanece um grande mistério e é preciso um estudo à parte. Contudo, atribui-se, comumente, a SatoshiNakamoto sua elaboração e concepção. E sua ideia era bastante simples: criar um sistema de criptografia que garantisse aos compradores e vendedores sigilo, em um ambiente restrito e longe do conhecimento das autoridades, tornando-a prática para compra e venda. Além disso, seu diferencial é o limite da emissão de bitcoins: 21 milhões. Essa escassez de moeda é contrabalanceada pela forma de obtê-la: a mineração computacional, a qual é um processo demorado e muito sofisticado, pelo qual computadores e demais dispositivos eletrônicos estão ligados à um software que opera num sistema similar aos torrents. Outra forma, menos trabalhosa, porém mais custosa, é obter o bitcoin a partir de uma conta numa Exchange online.

A supervalorização dessa criptomoeda é surpreendente. De janeiro a novembro de 2017, a valorização bateu 1.500%, com um bitcoin sendo vendido a mais de USD17.100 e sendo vendido no Brasil por mais de R$ 43.000. Por outro lado, muitos especialistas, incluindo o presidente do Banco Central do Brasil, Ilan Goldfajn, alertam para o perigo de um crescimento vertiginoso, que parece não ter fim, partindo da ideia de que o bitcoin é um esquema de pirâmide, formando uma bolha, já que não possui lastro. Esta visão tem sido quase unânime nas falas dos policymakers; cinco países proibiram o uso do bitcoin, e a China, um dos grandes nomes da economia internacional atual, baniu o câmbio de yuan para bitcoin em 2013.

Por outro lado, países como a Estônia investem cada vez mais em criptomoedas, em especial no bitcoin. Sob o pretexto de fortalecer suas economias, descentralizando-as para garantir o estímulo interno, esperam obter grandes lucros com a mineração de bitcoin e os dividendos futuros, sobretudo na negociação em grandes bolsas de valores. Esse contraste ainda não causou divisão entre os países no âmbito econômico internacional, mas promete ser uma grande reviravolta na economia política internacional das nações.

Por um lado, o bitcoin, assim como outras criptomoedas, não está atrelado a nenhum banco central, como dito anteriormente e, da mesma forma, não possui um lastro. Seu uso ainda é muito ligado a questões ilícitas, como compra e venda de produtos extraviados, drogas e armas. Devido à sua natureza criptografada, é difícil entender minuciosamente o seu trajeto, já que seu rastreamento fica restringido aos detentores de uma carteira digital. O lado positivo do bitcoin é promover uma outra economia internacional, onde não há barreiras políticas, possibilitando autonomia ao indivíduo. Não por acaso, a moeda tem sido tratada como a bandeira de um sistema libertário da economia, pois possibilita a estruturação de um esquema econômico onde não há influência governamental.

E essa ausência estatal é o que preocupa países e grandes investidores. Recentemente, Warren Buffet, um dos homens mais ricos do planeta, expressou a sua insatisfação com a ascensão das criptomoedas, por um grande motivo: a especulação tradicional com bitcoin é uma tarefa árdua, embora possível e existente. Como dito anteriormente, o bitcoin é uma moeda finita, com 21 milhões de exemplares no mercado. E outro fator muito importante é sua difícil liquidez. Como o mercado ainda é muito restrito, em termos de produtos globais vendidos através do bitcoin, é comum que uma pessoa milionária em bitcoins não consiga converter sua fortuna digital em fortuna real, tradicional. Porém, à medida que se ergue um novo mercado, e mais produtos e serviços através do bitcoin aparecem, o cenário passa a mudar.

As criptomoedas influenciam diretamente a idéia da estabilidade hegemônica, como pensada por Susan Strange e, a nível institucional, por Robert Keohane. E isso ocorre porque há uma ruptura no entendimento tradicional de que uma moeda forte é essencial para a estruturação de uma hegemonia, a partir da emissão monetária de um país hegemônico. Já que, o bitcoin não é emitido por nenhum país, e tampouco há um lastro em sua base, acaba colocando em cheque os fundamentos da Teoria da Estabilidade Hegemônica, em termos econômicos. Por outro lado, há outros fatores que são levados em consideração por esta teoria, como instituições e sistema jurídico sólidos.

Por conseguinte, esta atuação sem o Estado desmonta as próprias instituições. Para Keohane, assim como para o neoliberalismo institucional, as instituições são formas planejadas e concorrem para o comportamento padronizado dos atores internacionais, à obtenção de seus objetivos. Ocorre que a ação padronizada prescrita por Keohane inexiste quando se trata de criptomoedas, tanto por não haver ingerência estatal, o que impossibilita as instituições derivadas do Estado, e também há uma pressão pela comunidade das criptomoedas para que apenas as regras de oferta e demanda sejam os vetores de funcionamento.

Em tempos que uma guerra fiscal global, promovida por Donald Trump, toma forma, as criptomoedas tendem a se popularizar. Ainda é cedo, contudo, para prever quão longe elas poderão chegar, mudando as características das políticas econômicas dos estados e, por conseguinte, o sistema financeiro mundial. É preciso entendê-las como um parâmetro de análise da estabilidade hegemônica, mas, desta vez, sem a atuação estatal, em um ambiente internacional em que o indivíduo ganha mais importância e a criptografia e a própria internet começam a valer tanto quanto cálculos da balança de pagamentos de um Estado.


Referências

CORREIO BRASILIENSE. Biticoin causa euforia e preocupação: valorização é de 1500% em 2017. Disponível em: Disponível em: <http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2017/12/12/internas_economia,647223/o-que-e-bitcoin.shtml>. Acessado em: 22 de Fev. 2018.

BBC NEWS. Top China Bitcoin Exchange to stop trading. Disponível em: <http://www.bbc.com/news/business-41276348>. Acessado em: 22 de Fev. 2018.

GAZETA DO POVO. Quais países têm medo do bitcoin? Dica: Bolívia e China estão entre eles. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/ideias/quais-paises-tem-medo-do-bitcoin-dica-bolivia-e-china-estao-entre-eles-9pe8s8hvxwr65vwxi3sfg33xt>. Acessado em: 22 de Fev. 2018.

INFOMONEY. Bitcoin ultrapassa os U$$ 10.000 e acumula valorização de 1.000% este ano. Disponível em: 22 de Fev. 2018.<http://www.infomoney.com.br/mercados/bitcoin/noticia/7115149/bitcoin-ultrapassa-000-acumula-valorizacao-000-este-ano>. Acessado em: 22 de Fev. 2018.

EL PAÍS. Del metal al billete y a lacriptomeneda. Disponível em: <https://elpais.com/economia/2018/02/01/actualidad/1517517218_683589.html>. Acessado em: 22 de Fev. 2018.

EL PAÍS. Francia y alemamiapiden al G-20 estudiar y regular lainversiòn com criptodivisas. Disponível em: <https://elpais.com/economia/2018/02/09/actualidad/1518171338_317695.html>. Acessado em: 22 de Fev. 2018.

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