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Cúpula das Américas: Governança democrática para combater a corrupção


A Cúpula das Américas é o único evento internacional do continente que procura reunir os 35 líderes dos países americanos para a discussão de questões sociais, políticas e econômicas, com o objetivo de selar compromissos, formalizar caminhos de cooperação internacional bem como novas coalizões político-econômicas na região.

Apesar de ser uma tradição recente, que teve sua primeira edição em 1994, sediada pelos Estados Unidos, no contexto da esquecida Alca (Área de Livre Comércio Para as Américas), a Cúpula das Américas se tornou um espaço favorável ao desenvolvimento de acordos internacionais entre os governos, na superação de problemas em comum.

Neste sentido, o tema da VIII edição da Cúpula, “Governança democrática para combater a corrupção”, representou de forma coerente alguns dos principais desafios e fontes de instabilidade dos governos latino-americanos. A partir de um rápido balanço político (2014-) de IVES (2016), é possível citar entre os principais casos: Argentina (caso Nisman), Bolívia (caso Fondo Indígena), Brasil (operação Lavo-Jato), Chile (caso Caval), El Salvador (processo contra Ernesto Funes), Guatemala (caso La Linea), Honduras (movimento da “oposición indignada”), México (caso Casa Blanca) e Panamá (processo contra Ricardo Martinelli).

Assim, mais do que um evento internacional, a Cúpula das Américas, sediada em abril de 2018 no Peru, construiu um novo instrumento (de governança global) no combate à corrupção no continente, o Compromisso de Lima. Mas, afinal de contas, o que significa governança global e o que ela tem a nos dizer sobre a Cúpula das Américas? O termo Governança Global foi cunhado por James Rosenau (2000), teórico das Relações Internacionais, na tentativa de discutir novos meios em que a ordem global era promovida em algumas áreas, sem depender necessariamente de um único governo central. De fato, governança global corresponde às “atividades apoiadas em objetivos comuns, que podem ou não derivar de responsabilidades legais e formalmente prescritas e não dependem, necessariamente, do poder de polícia para que sejam aceitas e vençam resistências (ROSENAU, PG)”.

Isto posto, a formulação do Compromisso de Lima contra a corrupção, no bojo da Cúpula das Américas, nos permite enxergar o processo de Governança proposto por Rosenau atuando em um caráter multinível, dado que: (i) em primeiro lugar, a corrupção - apesar de ter se tornado um crime com elementos extra-fronteiriços entre os países, a exemplo do envolvimento do Caso Odebrecht nas economias do Brasil, Panamá e Peru, tem tido ocorrências dentro dos países, com elementos locais; (ii) a luta contra a corrupção obedece às cobranças da sociedade civil, do movimento de denúncias e dos instrumentos jurídicos nacionais e internacionais contra o crime; e (iii) no cenário internacional, a corrupção tem abalado diretamente a estabilidade política e a confiança nos mercados econômicos para os governos da região.

De modo que, compreender a agenda de combate à corrupção como uma questão internacional, local e regional para os países da Cúpula das Américas, representa um objetivo de governança global, cuja responsabilidade será derivada e reforçada pelo Compromisso de Lima assinado durante o evento, contra a corrupção. Este acordo internacional versa em 52 pontos, medidas relevantes para os governos sobre o tema, além de reafirmar o compromisso dos estados com os dois principais documentos internacionais de combate à corrupção propostos pelas Nações Unidas: os acordos da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção e a Convenção Interamericana contra a Corrupção.

De forma complementar, chama-se a atenção para o fato de que durante a Cúpula das Américas foi criado o “Programa Interamericano de Dados Abertos, no âmbito da OEA (Organização dos Estados Americanos), para fortalecer políticas de abertura a informação e aumentar a capacidade dos governos e dos cidadãos na prevenção e no combate à corrupção” (AGÊNCIA BRASIL, 2018). Isto significa afirmar que a busca pela Governança Global contra a corrupção, no âmbito da Cúpula das Américas, não apenas formalizou compromissos internacionais entre estados, mas ao mesmo tempo criou um campo institucionalizado para a participação social de Organizações Internacionais (ONU, OEA) e da sociedade civil dos países signatários.

Portanto, é neste sentido que os estudos sobre governança de Rosenau (2000) se dirigem, pois, para ele, a globalização do cenário internacional tem como consequência a redistribuição das autoridades políticas entre diversos atores e instituições, não sendo “totalmente consistentes com as fronteiras nacionais e [...] existem onde quer que atores sejam capazes de tomar decisões (BENTO, 2007, p. 222)”. Mais do que uma arena política internacional com fronteiras definidas e resumidas em atores estatais, temos hoje em dia - a exemplo na produção de medidas dentro da Cúpula das Américas - a interconexão entre diversos atores - organizações como ONU, OEA, da mídia, de movimentos da sociedade civil, ativismos, cuja relação confronta a suposta separação entre o local e o internacional.

Entre as novas tendências de ordem no cenário internacional, a Governança Global surge como ferramenta teórica para que possamos ampliar a visão tradicional que coloca os Estados como únicos atores internacionais relevantes e as coalizões Norte-Sul como únicos espaços de cooperação válidos. Pelo contrário, principalmente após o século XX, as organizações internacionais, conferências, fóruns, cúpulas, mídia, ONGs, entre outros, tornaram-se importantes atores capazes de modificar o comportamento dos Estados, seja em seus discursos, na assinatura de tratados, na negociação de conflitos ou na resolução de problemas sociais; enquanto que, ao mesmo tempo, novos movimentos de cooperação entre países ditos emergentes tem crescido, buscando ampliar os laços regionais em novas instâncias políticas e metodologias adequadas às discussões de um desenvolvimento próprio, que consiga elencar a complexidade das problemáticas do chamado Sul Global.

Se, por um lado, há a hipótese que a Cúpula das Américas tenha surgido na década de 1990 como ferramenta para alinhamento político com interesses norte-americanos sobre a Alca, entende-se que a reunião na atualidade constitui uma iniciativa ímpar para empoderamento da cooperação entre países do continente, na sua agenda de governança global (contra a corrupção, pela estabilidade política e pelo crescimento econômico). Todavia, o real aproveitamento deste espaço se mostra insuficiente, principalmente se considerarmos que o próprio presidente Donald Trump se tornou o primeiro presidente norte-americano ausente na reunião; ou mesmo os diferentes níveis de comprometimento com o combate à corrupção pelos países.


Referências bibliográficas:

AGENCIA BRASIL. Cúpula Termina com Carta de Compromisso contra a Corrupção, 2018. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-04/cupula-das-americas-termina-com-carta-compromisso-contra-corrupcao>. Acesso em abril de 2018.


BENTO, Leonardo Valles. Governança Global: uma abordagem conceitual e normativa das Relações Internacionais. UFSC: Centro de Ciências Jurídicas, Santa Catarina, 2007.


ROSENAU, James N; CZEMPIEL, Ernst-Otto (orgs.). Governança sem governo - Ordem e transformação na política mundial. Editora UNB, Brasília, 2000.


IVES, DIEGO. Organismos Anti-Corrupção e a hegemonia dos EUA na América. Mundorama - Revista de Divulgação Científica de Relações Internacionais, 2016.

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