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Inquietações e reflexões sobre o incêndio do Museu Nacional


Coleções de geologia, paleontologia, botânica, zoologia, antropologia, arqueologia e entomologia, a maior coleção egípcia da América Latina, móveis originais de Dom João VI, sala dos Dinossauros, fóssil de Luzia (o mais antigo fóssil humano encontrado nas Américas, de 12 mil anos), mais de 20 milhões de itens históricos, local onde foi assinada a 1° Constituição do Brasil (1824), declaração de independência do Brasil (1822) assinada pela princesa Leopoldina, local onde foi realizada a primeira Assembleia Constituinte da República (1890-1891), e desde 1946 foi vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) sendo um dos mais antigos polos científicos do Brasil.

Todos esses fatos e objetos históricos emergiram na memória de milhares de brasileiros, da mídia e da classe política do Brasil e do mundo, quando o Museu Nacional (1818-2018) foi incendiado e teve grande parte da sua memória apagada. Entre análises e reflexões na busca pelos responsáveis do crime contra um patrimônio pertencente à humanidade, os argumentos mais fortes giram em torno do descaso político com os interesses dos brasileiros. Centenas de políticos e de servidores que recebem milhões de reais, mais benefícios absurdos, legislam, administram e julgam em prol de interesses pessoais.

Congelamento de “gastos” com educação e saúde por 20 anos, cortes em bolsas para a pesquisa e ciência, são questões sobre o distanciamento que vem piorando ao longo dos anos na história do Brasil. O próprio Rio de Janeiro tem passado por um desmonte que vai da educação à segurança como reflexo da corrupção do sistema privado e estatal. Há quem diga que o incêndio também é culpa da má administração da UFRJ, que pouco tem estimulado esforços em prol do Museu ou de outros prédios de quem é responsável.

Ademais, a mídia internacional noticiou o desastre e líderes políticos como da França e da Alemanha se propuseram à dar todo o suporte necessário para a reconstrução e recuperação do Museu, através da mão de obra, administração, apoio cientifico e doação de mais de 4,8 milhões de reais. A Agência das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) demonstrou profunda tristeza pela destruição de grande parte da história e pelo que não pode ser reconstruído.

Sobre todo esse enredo demonstrado há duas questões que se faz necessário refletir: o distanciamento do Estado do seu papel de proteger, cuidar e representar seus cidadãos e sobre o esquecimento da ética e moral no Brasil. Andrew Linklater (2007), internacionalista e autor da Teoria Critica Internacional, diz que os indivíduos renderam seus direitos inerentes e absolutos para obter uma condição de civilidade propícia para a sua própria utilidade. Há um contrato social onde o homem se priva de certas vontades individuais para que o bem comum seja possível, no entanto, o estado de natureza individualista não é anulado pela moralidade formada.

Um governo quando eleito deve ser a representação da maioria na defesa de direitos e na promoção da qualidade de vida esperada. Como expõe Linklater (2007), os indivíduos dentro de uma sociedade organizada abrem mão de suas vontades individuais em nome da coletividade, rendendo-se aos cuidados de um grupo. No caso do Brasil, se experimenta a farsa da representatividade política, onde a prefeitura, a câmara, o senado, o congresso, a presidência e o judiciário buscam interesses individuais – o poder e o enriquecimento.

Para Linklater (2007), existe um lado incompleto na vida moral que reside na separação entre a ética privada e pública, própria de um grupo reduzido de indivíduos ou sociedade nacional. Com isto, o autor estabelece críticas ao sistema de estados no que tange ao esquecimento ou descaso com a razão universal por existir moralidades sociais particularistas. A formação da imagem do brasileiro para o mundo tem sido construída com um entrelaçar estreito à corrupção e ao engano. Os grandes escândalos de desvio de verbas públicas para partidos e políticos são a ponta do iceberg, em menores esferas, no dia a dia do cidadão a corrupção no transito, na polícia militar, nas escolas, nas relações comerciais e, por que não, nas famílias, a ética e a moral que moldam as ações das pessoas em prol da coletividade são silenciadas cotidianamente.

A construção das sociedades, nos países de forma geral, deu-se a partir de processos de exclusão, um grupo que exerce dominação sobre o outro, que determina quem é apto a estabelecer ordens e princípios que gerenciariam a comunidade e outro que as obedeceriam. Este sistema injusto de exclusão, segundo Linklater (1998), resultou nas sociedades modernas utilizando recursos morais. A virada mundial de 2015 até os dias atuais para pautas individuais tem sido vista no Brasil com bastante frequência. Há um profundo esquecimento de que a ciência, pesquisa e educação são os reais motores de crescimento de um país, e sem o acesso à esses pilares de forma igualitária, as disparidades sociais e o enfraquecimento dos direitos dos cidadãos persistiram por muitos anos mais.

No entanto, Linklater (1998) acredita que a comunidade política está mais sensível às reivindicações de universalidade, o ideal emancipatório do sistema de exclusão ocorre como consequência do dialogo estabelecido pelos participantes da comunidade, sendo expresso por meio da liberdade de expressão e inclusão. Os problemas comuns à comunidade são passíveis de solução pela ética dialógica, onde através dos debates promovidos, encontram-se denominadores comuns, a ética e a moral universalista própria da comunidade.

É importante finalizar com essa ideia de Linklater (1998), afinal, incrivelmente, o incêndio no Museu Nacional aconteceu à poucas semanas da oportunidade quaternária que o sistema democrático oferece a milhões de brasileiros, as eleições representam uma oportunidade singular de escolher representantes que buscam estabelecer uma ética dialógica entre governo e sociedade, oportunidade de renovar os votos de acompanhar o passo a passo de cada político, das leis que serão feitas, da administração das cidades, dos estados e do país. A emancipação apenas vem através do esclarecimento e da educação, a sociedade precisa participar do cuidado, da proteção e promoção dos seus direitos.


REFERÊNCIAS

G1. Incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro. Disponível em: < https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2018/09/03/museu-nacional-fica-completamente-destruido-apos-incendio-fotos.ghtml> Acesso em: 07 de setembro de 2018.

LINKLATER, Andrew. Critical Theory and World Politics: Citizenship, sovereignty and humanity. Taylor & Francis e-Library: New York, 2007.

______. The Transformation of Political Community. Blackwell Publishers Ltd: Cambridge, UK, 1998.

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