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A crise humanitária e os refugiados venezuelanos na perspectiva dos Estudos da Paz de Johan Galtung


Fonte: UNODC

A questão dos refugiados é um dos principais desafios políticos, econômicos e sociais colocados para os países à nível global; contudo, na América Latina, esse fenômeno assume proporções próprias, em especial devido à crise econômica e humanitária da Venezuela, cujo fluxo diário de fuga de centenas de refugiados tem provocado tensões políticas entre os países fronteiriços que recebem esse contingente populacional, a medida em que é exposta a insuficiência dos Estados na garantia dos Direitos Humanos básicos.

Neste sentido, para analisar a crise humanitária referente aos refugiados venezuelanos, será feito o uso da abordagem teórica de Johan Galtung (1969), considerado mundialmente o fundador da escola de Estudos para a Paz, vertente adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Uma das principais contribuições de Galtung, para a compreensão dos desafios ao alcance na paz no cenário internacional, consistiu na sistematização do modelo de “triângulo da violência”. Neste modelo, o teórico define os três tipos de violência que podem se manifestar em contexto de conflitos: violência direta, quando há uma situação concreta de agressão; estrutural, o tipo de violência que se estabelece sobre uma estrutura social e que se traduz na distribuição desigual de recursos e serviços e, por fim, a violência cultural, aspectos da cultura que legitimam ou incentivam formas de agressão social. Logo, foi a partir do modelo Galtuniano que se concluiu que a ausência de violência direta não é garantia para o diagnóstico de paz em uma região.

Além disso, segundo o autor, distinguem-se dois tipos de paz no âmbito internacional: paz negativa, relacionada à ausência de violência direta e a paz positiva, correspondente: “à ausência das violências direta, cultural e estrutural, em um cenário de distribuição igualitária de poder e recursos” (PALHARES; SCHWARTZ, 2015, p. 15).

Por esta razão, é possível afirmar que discutir a crise humanitária vivida pelos refugiados venezuelanos no século XXI e a sua contundente relação com as fronteiras latino-americanas, a xenofobia e a falta de políticas públicas de amparo aos refugiados, implica também em dar atenção aos desafios de enfrentamento às essas diferentes manifestações de violências, conforme o modelo teórico de Johan Galtung.

Em termos práticos, a Organização Internacional de Migração (OIM) sustenta que mais de 2,3 milhões de venezuelanos e venezuelanas já deixaram o país em busca de refúgio humanitário, devido a problemas como a falência econômica do Estado venezuelano, na chamada hiperinflação, a escassez de alimentos, remédios e produtos básicos.

Tal cenário nos permite identificar a violência estrutural traduzida na realidade venezuelana na atualidade e do ponto de vista histórico: além da reconhecida crise econômica e incapacidade do Estado Venezuelano de garantir as condições básicas de vida para sua população, vale considerar que parte dos refugiados venezuelanos no Brasil, como os povos indígenas Warao, já vem enfrentando, pelo menos desde a década de 1960, o processo de escassez de recursos, alimentos e oportunidades na estrutura da sociedade venezuelana, compondo um dos grupos interioranos que foram forçadamente deslocados para as áreas urbanas do país, devido a apropriação de terras pelos empreendimentos petroleiros; inserindo-se no mercado como mão de obra de baixa qualificação e/ou como pedintes (AMAZÔNIA REAL, 2018).

Ao trazer para a atualidade da crise, a entrada dos refugiados nas fronteiras latino-americanas é um fenômeno que não ocorre de forma pacífica na região, são comuns os casos de xenofobia, agressões diretas, ameaças, além dos riscos de exploração e abuso sexual nas longas travessias de mais de 900 quilômetros de distância, percorridos por mulheres, crianças e homens venezuelanos. Países como o Peru e o Equador já optaram pela restrição de entrada de refugiados através das fronteiras, como medidas de segurança; enquanto que o Brasil e a Colômbia enfrentado casos contundentes de xenofobia, o primeiro país tendo culminado no conflito e expulsão de 1.200 solicitantes de refúgios.

Essa forma de violência, na interpretação de Galtung, pode ser definida como violência cultural, considerada associada às formas de legitimação da violência física e estrutural em determinado contexto; ou seja, é a violência cultural contra os refugiados venezuelanos pela população local e políticas de fechamento de fronteiras de outros países que vai contribuir para a internalização da xenofobia, naturalização do desrespeito à comunidades, práticas discriminatórias e da capacidade de negação dos direitos humanos básicos do outro.

Apesar do triângulo da violência de Johan Galtung se manifestar na questão da crise dos refugiados, também podem ser identificadas ações internacionais relevantes na luta pelos direitos desses grupos na América Latina: a criação do Gabinete Integrado de Gestão Migratória, no Brasil; a criação de um fundo de ajuda humanitária para a crise migratória venezuelana; a reunião da cúpula de mais de 13 países durante o mês de setembro; no apoio de organizações como a ACNUR e União Européia; bem como ajuda humanitária de países como EUA (Estados Unidos da América) e China.

Em contrapartida, é importante ressaltar que a aproximação da superação dessas formas de violência na questão dos refugiados venezuelanos ultrapassa os desafios econômicos da Venezuela e dos países de refúgio no continente; e cruza a noção de que a crise humanitária assume o papel de uma forma de violência infligida contra a população e que somente a busca por uma paz positiva - isto é, fundamentada na defesa e respeito pelas pessoas, tendo os Direitos Humanos como princípios inegociáveis - é que será possível enfrentar essa questão internacional.


Referências

AMAZÔNIA REAL. Migrante Cidadão: A dinâmica de deslocamentos dos índios Warao na Amazônia. Acesso em: http://amazoniareal.com.br/migrante-cidadao-a-dinamica-dos-deslocamentos-dos-indios-warao-na-amazonia/> As 20:54 de 16 de set, 2018.

PALHARES, MFS., and SCHWARTZ, GM. A violência.[online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2015

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