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Muito além do jardim


Data de lançamento: 19 de Dezembro de 1979

Direção: Hal Ashby

Gênero: Drama; comédia

País: EUA

A sétima arte consegue dialogar com técnicas artísticas diversas, ainda que a experiência sinestésica seja disparada pelo gatilho da visão. Além desse importante fator, entra em cena a habilidade – hoje muito rara – de estabelecer um diálogo atemporal, suspendendo a linha do tempo e nos colocando num momento em que, um dia, foi o presente. Ambas percepções são sentidas ao longo de Muito Além do Jardim, e de uma maneira a chamar-nos a atenção para como o que é retratado no filme se passa hoje.

Em grande parte, estas façanhas se devem na química entre a fotografia do filme, a direção artística e o trabalho impecável do eterno Peter Sellers, que interpreta um pobre jardineiro, chamado Chauncey, que fora criado pelo homem que foi seu patrão até a morte, cujos efeitos obrigaram o personagem principal a desbravar o mundo, já que não possuía mais casa. Embora não soubesse ler, nem escrever, sua cultura vinha exclusivamente da televisão, e, quase no início da década de 1980, tinha estabelecido novos limites para a comunicação humana.

Naquela época – e o filme retrata muito bem – a comunicação passava por um período de ajustes profundos, com a mídia impressa perdendo prestígio em função do aparecimento de mais canais televisivos, ao passo que a indústria de produção de aparelhos eletrodomésticos inundava o mercado com televisores coloridos, e já com controle remoto. A vida de Chance muda exatamente quando tudo indicava que se tornaria um morador de rua, ao sofrer um pequeno acidente causado pelo carro que levava Eve Rand, interpretada por Shirley MacLaine. Rand é filha de um importante magnata americano, cuja influência na política nacional o faz ser cortejado pela elite do poder, e em cuja casa Chauncey se hospeda até curar-se dos ferimentos.

Embora já velho e debilitado, o pai de Eve, Ben Rand, se encanta com o jeito tranquilo, sereno e pacato de Chauncey, o qual sempre parafraseia os casos da vida com metáforas relativas a jardinagem. Contudo, o presidente resolve visitar Rand em um momento de turbulência na política nacional. Encantado com Chauncey, Ben resolve convidá-lo para conhecer o presidente. No encontro, os dois sentem uma afinidade, tendo o presidente adotado muito da fala ‘jardinesca’ de Chauncey no seu discurso presidencial. A mídia, então, assim como o governo, empreende uma verdadeira busca para saber quem é Chuancey Garden.

E aí o filme nos faz pensar em nossa realidade. Na política, em geral, muito se tem falado no ‘outsider’, aquele que se mantém alijado do mundo político, mas deseja mudar ‘o que está aí’. No caso do filme, Chauncey é apenas um jardineiro, cuja ignorância é percebida como sabedoria. A própria imprensa escrita tenta entrevistá-lo, mas, ao falar ao repórter que ‘não lê jornais’, a mídia se desespera. Tanto que Chauncey dá uma entrevista exatamente para um programa de televisão, o qual o próprio é um telespectador assíduo. E neste programa, a sociedade americana se encanta com as falas a respeito de um ‘sério jardineiro que trabalha pelo bem do seu jardim em todas as estações’.

Esse ponto do filme é importantíssimo. Hoje, os aplicativos de mensagem instantânea e as redes sociais marcam seu território e colocam em cheque o funcionamento da mídia estabelecida. Eles são percebidos como parte do ‘establishment’, que merece ser combatido, num apelo gritante ao retorno do senso comum. Ainda que, no filme, este apelo seja feito de maneira nada planejada, e através de um homem ignorante, embora tranquilo e inocente. Mas sua influência passa a entrar na pauta do governo, que vê nele uma possível ameaça numa eleição vindoura.

O que causa espanto na elite política é que Chauncey fala para pessoas como ele, e para aqueles que, por uma parte do seu discurso, veem-se nele. Em momentos de discurso de difícil compreensão, sem dialogar com o povo, Chauncey apareceu e falou o que todos viam, mas não tinham tido a coragem de falar a respeito. E, impulsionado por novos meios de comunicação e transmissão de informação, chegou aos rincões de um país desacreditado e farto de políticos tradicionais e de todo um sistema de política que lhes prejudicava.

Em tempo, Muito Além do Jardim é uma obra que coroa o trabalho dramático em cena de Peter Sellers, que faleceu pouco depois do lançamento mundial do filme, assim como do diretor Hal Ashby, que sempre buscou tratar de temas políticos dentro dos parâmetros cinematográficos. O filme realmente merece ser visto e compreendido tendo em mente os casos recentes de Estados Unidos, Brasil, França, Holanda, Itália e muitos outros, que – com perdão do trocadilho – estão muito além do jardim.

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