Reflexões acerca da transferência da Funai
O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro (2017) demonstra que a relação entre o índio e a Terra é como a relação entre o indivíduo e seu corpo, muito mais do que uma identificação de propriedade do espaço, é uma relação de constituição, de pertencimento recíproco. Viabilizar e proteger a estabilização das fronteiras indígenas é, além de uma dívida histórica do processo colonizador, e garantia dos seus direitos, qualidade de vida e preservação socioambiental.
Logo após a posse de Jair Bolsonaro (01) foi divulgada a Medida Provisória que enfraquece a FUNAI (Fundo Nacional do Índio), atribuindo suas funções de demarcação de Terras Indígenas e de políticas de preservação ambiental ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, ou seja, sob decisão da bancada ruralista, os quais possuem interesses totalmente contrários às reivindicações indígenas. A medida cessa os processos de demarcação em andamento (de acordo com a FUNAI são 128 processos em andamento) e ameaça áreas que já foram demarcadas.
O discurso de “integração” proposta por este governo não demonstra a valorização de todos, mas o silenciamento de realidades sociais e suas demandas específicas. A “sociedade de normalização” investigada por David Campbell (1992) corresponde aos discursos de padronização de comportamentos sociais que são impostas através de instituições políticas, constituindo um regime que assegura normas identitária pela imposição de significados e de verdades, promovendo a marginalização de modos alternativos de existência e suprimindo outras identidades.
Nesse sentido, a construção da identidade brasileira percorre por valores e normas socialmente impostas, onde políticas de “integração” não correspondem à construção do bem-estar social de todos, nem da maioria, mas apenas daqueles em posição privilegiada. Silenciar as lutas indígenas significa retirar direitos historicamente adquiridos em prol de uma falsa integração fundamentada na construção de valores de identidade e sociedade impostas.
Corresponde ao Estado a função de proteger e representar seus cidadãos, sendo necessário compreender que o território e a sociedade não são únicos, dessa forma, assegurar a cidadania de todos os cidadãos implica em reconhecer todas as vivências e desenvolver mecanismos de proteção de direitos de minorias sociais, no entanto, políticas como esta Medida Provisória, colaboram apenas para o favorecimento de elites do agronegócio e colocam em risco o meio ambiente e a preservação da nossa cultura, pois implicam diretamente em mecanismos de etnocídio.
A união da sociedade brasileira não está em mecanismos de padronização social, pois, não corresponde à segurança coletiva, mas a instrumentos de manutenção de subalternização de nossos direitos. Deve-se identificar e nomear cada realidade social para demonstrar e esclarecer a profunda hierarquização das relações de poder dentro do Estado, desenvolvendo instrumentos concretos de desenvolvimento humano e ambiental, nesse sentido, a resistência promovida pelos movimentos sociais são em favor da sociedade e dos direitos de todos.
Referências:
ALESSI, Gil. Bolsonaro enfraquece Funai e joga sombra sobre o futuro socioambiental do país. Disponível em: < https://brasil.elpais.com/brasil/2018/12/28/politica/1546015511_662269.html>. Acesso em: 02 jan 2019.
CAMPBELL, David. Writing Security United States Foreign Policy and the Politics of Identity. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1992.
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Os involuntários da Pátria: elogio do subdesenvolvimento. Caderno de Leituras, n° 65. Série Intempestiva. Belo Horizonte, 2017